Por trás dos cabelos longos e bigode, ele está a olhar para baixo, a observar algo fixamente. É surpreendido pela chegada do companheiro, que possui cabelos ainda mais longos que quase escondem os óculos de aro fino. O recém-chegado senta-se ao lado do amigo, olhando para baixo e apertando os olhos devido à miopia. Após alguns segundos, pergunta:
– Ele já entrou no palco?
– Já. Está a tocar há alguns minutos – responde o amigo.
– Onde é?
– No Brasil. Em São Paulo, acho eu.
– Está cheio?
– Muito.
– Ele já entrou no palco?
– Já. Está a tocar há alguns minutos – responde o amigo.
– Onde é?
– No Brasil. Em São Paulo, acho eu.
– Está cheio?
– Muito.
O de óculos permanece em silêncio alguns segundos, a tentar captar o som que vem de baixo, de longe.
– O que é que ele está a tocar agora? Jet?
– Acho que sim, não dá para ouvir direito por causa da gritaria. Mas acho que sim.
– Eu gosto desta música.
– Ele está a falar com a plateia, mas não consigo entender nada.
– Acho que é português. Não dá para ouvir direito, o público não deixa.
– Connosco também era assim. Lembraste no Japão? Ninguém ouvia nada.
– Olha! All My Loving!
Ambos começam a bater as mãos no joelho, de forma quase inconsciente, a acompanhar o ritmo da música. “I’ll pretend that I’m kissing…”, o de bigode canta baixinho.
– George! Ainda te lembras da letra!
– Como é que me poderia esquecer? Aposto que também te lembras.
– Eu lembro-me de todas. Todas as músicas. Todos os versos.
– Ele ainda está afinado, não está?
– Ele sempre cantou muito bem. Desde menino, ele sempre cantou bem.
Ficam em silêncio mais um pouco, a olhar para baixo atentamente.
– Qual é agora? Drive my Car? A plateia está a fazer muito barulho.
– Drive my Car. Essa é quase toda dele, sabias? Eu apenas o ajudei em alguns trechos.
– Está no Rubber Soul, não é?
– Acho que sim. Sim.
– A plateia está a cantar a música inteira.
– Como eles sabem a letra? Eles ainda nem eram nascidos quando lançamos isso.
– Não sei… Mas eles estão cantando a música inteira, John. Dá para ver daqui.
Permanecem em silêncio por mais algum tempo. O de óculos, mesmo sem perceber, balança a cabeça para os lados discretamente, ao som da música.
– Ele foi para o piano.
– Eu nunca entendi como é que ele sabia tocar tantos instrumentos. Isto não é normal.
– O que é que ele está a tocar agora? Jet?
– Acho que sim, não dá para ouvir direito por causa da gritaria. Mas acho que sim.
– Eu gosto desta música.
– Ele está a falar com a plateia, mas não consigo entender nada.
– Acho que é português. Não dá para ouvir direito, o público não deixa.
– Connosco também era assim. Lembraste no Japão? Ninguém ouvia nada.
– Olha! All My Loving!
Ambos começam a bater as mãos no joelho, de forma quase inconsciente, a acompanhar o ritmo da música. “I’ll pretend that I’m kissing…”, o de bigode canta baixinho.
– George! Ainda te lembras da letra!
– Como é que me poderia esquecer? Aposto que também te lembras.
– Eu lembro-me de todas. Todas as músicas. Todos os versos.
– Ele ainda está afinado, não está?
– Ele sempre cantou muito bem. Desde menino, ele sempre cantou bem.
Ficam em silêncio mais um pouco, a olhar para baixo atentamente.
– Qual é agora? Drive my Car? A plateia está a fazer muito barulho.
– Drive my Car. Essa é quase toda dele, sabias? Eu apenas o ajudei em alguns trechos.
– Está no Rubber Soul, não é?
– Acho que sim. Sim.
– A plateia está a cantar a música inteira.
– Como eles sabem a letra? Eles ainda nem eram nascidos quando lançamos isso.
– Não sei… Mas eles estão cantando a música inteira, John. Dá para ver daqui.
Permanecem em silêncio por mais algum tempo. O de óculos, mesmo sem perceber, balança a cabeça para os lados discretamente, ao som da música.
– Ele foi para o piano.
– Eu nunca entendi como é que ele sabia tocar tantos instrumentos. Isto não é normal.
– Qual é a que ele está a tocar agora? The Long and Winding Road?
– Sim. Olha! As pessoas estão a chorar!
Afastando os cabelos do rosto, o míope aperta ainda mais os olhos, vasculhando a multidão.
– Não gosto desta música – diz ele, mais para si mesmo do que para o amigo.
– É linda. Ninguém conseguia fazer baladas como ele.
– Mas não gosto. Nós mal nos falávamos nessa época.
– Acontece. Acontece com todo mundo, por que não iria acontecer connosco?
– É verdade.
– Ele está a tocar as nossas, olha. Antes foi And I Love Her. Agora é Blackbird.
– Eu não acredito que as pessoas ainda cantam com ele, depois de tantos anos… A letra não está a aparecer no telão? – pergunta o de óculos, abaixando-se ainda mais para tentar ver o palco.
– Não, elas sabem mesmo. Dá para perceber daqui.
– Ele disse o meu nome?
– Sim. Você sabe qual ele vai tocar. Ele escreveu para você.
– Sim. Olha! As pessoas estão a chorar!
Afastando os cabelos do rosto, o míope aperta ainda mais os olhos, vasculhando a multidão.
– Não gosto desta música – diz ele, mais para si mesmo do que para o amigo.
– É linda. Ninguém conseguia fazer baladas como ele.
– Mas não gosto. Nós mal nos falávamos nessa época.
– Acontece. Acontece com todo mundo, por que não iria acontecer connosco?
– É verdade.
– Ele está a tocar as nossas, olha. Antes foi And I Love Her. Agora é Blackbird.
– Eu não acredito que as pessoas ainda cantam com ele, depois de tantos anos… A letra não está a aparecer no telão? – pergunta o de óculos, abaixando-se ainda mais para tentar ver o palco.
– Não, elas sabem mesmo. Dá para perceber daqui.
– Ele disse o meu nome?
– Sim. Você sabe qual ele vai tocar. Ele escreveu para você.
– Estás bem, John?
– Eu e ele perdemos muito tempo. Hoje eu sei disso.
– Eu sei.
– Sabe, George… Se nós soubéssemos que eu teria tão pouco tempo, talvez nos tivéssemos comportado de outra maneira.
– Talvez não. Vocês sempre foram melhores amigos. Ele sabia disso. Ele faz questão de cantar essa, todos os concertos. E ele sabe que estás a vê-lo. Ele não canta para a plateia, ele canta para ti. É a forma que ele encontra de matar um pouco a saudade.
– Será?
– Sim. Eu senti muito a tua falta antes de nos reencontramos. Olha as pessoas lá em baixo, estão a soluçar. Todos sentem tua falta.
– Eu sinto muito a falta dele. Eu sinto muita saudade dos Beatles. Especialmente do começo. Lembra da Alemanha?
– Nós ainda éramos uns meninos… Tudo era o máximo, tudo era novidade. Nós éramos novidade.
– Nós ainda somos novidade. Olha, esta é tua!
– Eu e ele perdemos muito tempo. Hoje eu sei disso.
– Eu sei.
– Sabe, George… Se nós soubéssemos que eu teria tão pouco tempo, talvez nos tivéssemos comportado de outra maneira.
– Talvez não. Vocês sempre foram melhores amigos. Ele sabia disso. Ele faz questão de cantar essa, todos os concertos. E ele sabe que estás a vê-lo. Ele não canta para a plateia, ele canta para ti. É a forma que ele encontra de matar um pouco a saudade.
– Será?
– Sim. Eu senti muito a tua falta antes de nos reencontramos. Olha as pessoas lá em baixo, estão a soluçar. Todos sentem tua falta.
– Eu sinto muito a falta dele. Eu sinto muita saudade dos Beatles. Especialmente do começo. Lembra da Alemanha?
– Nós ainda éramos uns meninos… Tudo era o máximo, tudo era novidade. Nós éramos novidade.
– Nós ainda somos novidade. Olha, esta é tua!
– Eu lembro-me de quando a escrevi. Era difícil escrever algo com vocês lá.
– Esta música é linda.
– Olhe! No telão! Ele colocou uma foto minha!
– Nós gostávamos muito de ti. Eras o mais novo, víamos-te como uma espécie de irmão mais novo.
– Eu sei – concorda o de bigode, rindo alto.
Esperam em silêncio a plateia aplaudir. Ao final da música, ambos estão visivelmente emocionados, cada qual com suas lembranças. Os acordes de uma nova canção parecem despertá-los.
– Eu gosto desta!
– Esta é dele, não é nossa.
– Band on the Run? Mas poderia ser nossa.
– Se dependesse de mim, seria.
– Ah, sim. De todos nós, sempre foste o mais roqueiro, esta música é a tua cara.
– Ele fez muita coisa boa, não é?
– Sim.
Enquanto o de óculos bate os dedos no joelho, o de bigode, sentado de pernas cruzadas transforma sua própria coxa no braço de uma guitarra imaginária. Ambos parecem distantes, talvez pensando não no que foi, mas no que poderia ter sido.
– Esta música é linda.
– Olhe! No telão! Ele colocou uma foto minha!
– Nós gostávamos muito de ti. Eras o mais novo, víamos-te como uma espécie de irmão mais novo.
– Eu sei – concorda o de bigode, rindo alto.
Esperam em silêncio a plateia aplaudir. Ao final da música, ambos estão visivelmente emocionados, cada qual com suas lembranças. Os acordes de uma nova canção parecem despertá-los.
– Eu gosto desta!
– Esta é dele, não é nossa.
– Band on the Run? Mas poderia ser nossa.
– Se dependesse de mim, seria.
– Ah, sim. De todos nós, sempre foste o mais roqueiro, esta música é a tua cara.
– Ele fez muita coisa boa, não é?
– Sim.
Enquanto o de óculos bate os dedos no joelho, o de bigode, sentado de pernas cruzadas transforma sua própria coxa no braço de uma guitarra imaginária. Ambos parecem distantes, talvez pensando não no que foi, mas no que poderia ter sido.
Enquanto o de bigode tamborila os dedos no ritmo, o seu amigo tira os óculos rapidamente. Está a chorar.
– Choras sempre nesta música.
– Foi uma das últimas que escrevemos juntos. Mesmo separados. Metade é minha, metade é dele. É estranho, hoje, vê-lo a cantar a minha parte, e eu aqui.
– Ele não está a cantar sozinho.
– Como não?
– Olhe o estádio. É uma voz só, uma voz de sessenta mil pessoas.
– O que são aquelas coisas brancas? Balões de gás?
– Sim.
– Como fica bonito, a ver daqui de cima.
– Espera… Give peace a chance? Isso não era da música, certo?
– Não.
– Isso é teu!
– Sim.
– O estádio inteiro está a cantar! Olha os balões de gás! As pessoas estão a chorar, a abraçar-se.
O de óculos resmunga um palavrão, sorrindo. Os seus óculos estão embaçados, molhados de saudade.
– Let it be. Esta não poderia faltar.
– Eu não me conformo com isto, com as pessoas ainda saberem as letras inteiras.
– Choras sempre nesta música.
– Foi uma das últimas que escrevemos juntos. Mesmo separados. Metade é minha, metade é dele. É estranho, hoje, vê-lo a cantar a minha parte, e eu aqui.
– Ele não está a cantar sozinho.
– Como não?
– Olhe o estádio. É uma voz só, uma voz de sessenta mil pessoas.
– O que são aquelas coisas brancas? Balões de gás?
– Sim.
– Como fica bonito, a ver daqui de cima.
– Espera… Give peace a chance? Isso não era da música, certo?
– Não.
– Isso é teu!
– Sim.
– O estádio inteiro está a cantar! Olha os balões de gás! As pessoas estão a chorar, a abraçar-se.
O de óculos resmunga um palavrão, sorrindo. Os seus óculos estão embaçados, molhados de saudade.
– Let it be. Esta não poderia faltar.
– Eu não me conformo com isto, com as pessoas ainda saberem as letras inteiras.
– Eu gosto desta também.
– Uau! Viste aquilo, John? São fogos?
– Ficou espectacular, não é?
– Nós não tínhamos isso no nosso tempo.
– Nós não precisávamos.
– Mas ele também não precisa. Mesmo assim, ficou lindo.
– O que é que as pessoas estão a cantar agora? Hey Jude?
– Sim… Estão abraçadas, a cantar com ele.
– É engraçado, George… Eu sei que nós éramos bons… Mas acho que nunca entendi a importância que temos na vida das pessoas, até pouco tempo atrás. Quando eu assisto aos concertos dele, e vejo as pessoas a cantar com ele, chorando… Mexe muito comigo
– Nós éramos bons, John. Tu sabes disso.
– Aparentemente, ainda somos. As pessoas ainda…
– Ainda o quê?
– Sabes, eu estava errado.
– Ah?
– Quando eu disse que o sonho acabou. Eu estava errado.
– Nós três sempre soubemos disso, que estavas errado. Sempre falaste demais. Lembras-te aquela confusão de sermos maiores do que Jesus?
– Sim… Mas o sonho… O sonho nunca acabou. Eu errei.
– John?
– Sim?
– O sonho nunca vai acabar. Não enquanto as pessoas se lembrarem. E elas vão se lembrar para sempre.
– Uau! Viste aquilo, John? São fogos?
– Ficou espectacular, não é?
– Nós não tínhamos isso no nosso tempo.
– Nós não precisávamos.
– Mas ele também não precisa. Mesmo assim, ficou lindo.
– O que é que as pessoas estão a cantar agora? Hey Jude?
– Sim… Estão abraçadas, a cantar com ele.
– É engraçado, George… Eu sei que nós éramos bons… Mas acho que nunca entendi a importância que temos na vida das pessoas, até pouco tempo atrás. Quando eu assisto aos concertos dele, e vejo as pessoas a cantar com ele, chorando… Mexe muito comigo
– Nós éramos bons, John. Tu sabes disso.
– Aparentemente, ainda somos. As pessoas ainda…
– Ainda o quê?
– Sabes, eu estava errado.
– Ah?
– Quando eu disse que o sonho acabou. Eu estava errado.
– Nós três sempre soubemos disso, que estavas errado. Sempre falaste demais. Lembras-te aquela confusão de sermos maiores do que Jesus?
– Sim… Mas o sonho… O sonho nunca acabou. Eu errei.
– John?
– Sim?
– O sonho nunca vai acabar. Não enquanto as pessoas se lembrarem. E elas vão se lembrar para sempre.
A sorrir, John Lennon levanta-se e oferece a mão a George Harrison.
– Estás com a tua guitarra?
– Eu estou sempre com minha guitarra, tu sabes.
– Vamos tocar um bocado?
– Qual?
– Uma qualquer. Fiquei com saudades.
– Estás com a tua guitarra?
– Eu estou sempre com minha guitarra, tu sabes.
– Vamos tocar um bocado?
– Qual?
– Uma qualquer. Fiquei com saudades.
Milhões de quilómetros abaixo, Paul McCartney, emocionado, agradece à plateia.
George Harrison & John Lennon |
Um Pequeno Aparte...
Podias ter posto alguma coisa do Ringo Starr :DD
ResponderEliminarMas mesmo assim o teu Blog continua a ser um espectáculo...!
Já viste o teu Blog já foi visto por 620 pessoas em todo o Mundo :)
Já és famosa!!!
Obrigada! Não te preocupes que o Ringo Starr já tem um post reservado só para ele ;)
ResponderEliminarE mais, já tenho UMA visualização no Reino Unido... Aim da Quingue ófe da Uorlde!